Marlene Dietrich

Apesar de partilharem a mesma cultura, o mesmo período histórico, o mesmo ofício, Marlene Dietrich e Leni Riefenstahl pertenciam a mundos opostos. Marlene era o anjo antifascista, já Leni era considerada a bruxa nazista. Uma, o produto de fantasias masculinas e a outra, produtora de imagens de heróis. Marlene, a liberal; Leni, a romântica. Marlene, a vamp andrógina e Leni, a ingênua assexuada.

Marlene Dietrich
Marlene Dietrich (27 de dezembro de 1901- 6 de maio de 1992) nasceu em Berlim e morreu em Paris. Estreou no teatro com 23 anos, teve uma filha um ano depois e foi descoberta aos 28 pelo diretor austríaco Josef von Sternberg, que a convidou para protagonizar o filme O Anjo Azul (1930). Juntos, fizeram mais seis títulos, que abriram as portas de Hollywood para a estrela. Ela foi convidada por Hitler para protagonizar filmes pró-nazistas, mas recusou e se tornou cidadã norte-americana, o que foi considerado uma traição pelo ditador.

Durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto se apresentava para soldados das tropas aliadas, investiu na carreira de cantora e fez turnês pelo mundo inteiro, incluindo a Alemanha, para onde só voltou em 1962. Um ano antes, causou polêmica por reforçar o que pensava do período hitleriano: protagonizou o filme Julgamento em Nüremberg, que trata do holocausto e do nazismo. Em 1978 Marlene fez seu último filme, Apenas um Gigolô, no qual contracenou com David Bowie. Depois, se retraiu em seu apartamento em Paris, onde morreu aos 90 anos de idade.

Texto gentilmente cedido pela jornalista Mônica Kanitz.



Uma experiência narrada pelo biógrafo Donald Spoto sobre Marlene Dietrich:

Poucas pessoas acreditaram quando, em 1977, o produtor Joshua Sinclair anunciou que Marlene Dietrich quebraria o seu isolamento em Paris para participar do filme “Just a Gigolô”.
Há 18 anos Marlene vivia reclusa, mas mesmo para ela era difícil recusar a quantia de 250.000 dólares por menos de 2 dias de trabalho. Em estúdios de Paris, foram construídos cenários transportados de Berlim.
E então, numa manhã gelada de fevereiro de 1978, ela apareceu pontualmente para o trabalho, elegante como sempre. Ela caminhava devagar e pouco segura, mas mantinha a altivez. Chegou a tropeçar nos pés do maquiador Anthony Clavet. Tinha realmente se transformado numa velha senhora.
Duas horas depois, apareceu maquiada, com um figurino escolhido por ela mesma, de luvas, com um chapéu e um véu que escondia parcialmente seu rosto. Tudo na medida para a sua curta aparição como a Baronesa de Semering, chefe de alguns gigolôs em Berlim logo após a primeira grande guerra. O diretor David Hemmings, o produtor Sinclair e uma pequena equipe estavam à sua espera e em poucos minutos a primeira de suas duas cenas estava filmada.
Na manhã seguinte Marlene apareceu novamente no estúdio, desta vez para uma tarefa mais difícil: cantar a música título do filme. Ela disse que cantaria uma estrofe desta horrível música alemã em apenas 2 segundos. Todos no estúdio estavam nervosos, pois ainda era incerto se ela conseguiria tal feito. Mas então aconteceu a transformação, testemunhada por todos que estavam no set naquele dia. Primeiro foi feito um close dela. Depois ela caminhou, devagar, mas sem ajuda, até o pianista Raymond Bernard, endireitou as costas com orgulho e começou a cantar. E, apesar de não gostar da música, cantou com uma facilidade incrível.
Nada do que Marlene em 60 anos mostrou na tela e nos palcos era capaz de descrever o que a equipe presenciou. Ao cantar “Youth will pass away”/ A juventude passará, era possível notar uma hesitação em sua voz, como nunca foi visto antes em todas as suas interpretações. Um momento tão sutil, tão verdadeiro, que ela não poderia estar fingindo.
E para “Life goes on”/ A vida continua, ela levantou a sua voz, fazendo com que a melodia subisse cinco tons, para terminar em seguida num sussuro.
Na primeira tomada o estúdio já tinha a cena. Todos ficaram em silêncio por um tempo até romperem numa salva de palmas, muitos secando as lágrimas dos olhos.
Através da luz intensa do refletor, Marlene não pode ver o seu pequeno público. Ela deu de ombros e voltou ao camarim. Uma hora depois estava novamente reclusa em seu apartamento na elegante Avenida Montaigne, diretamente em frente ao Hotel Plaza Athénée. Com exceção de esporádicas visitas ao médico e ao hospital, nunca mais deixou seu apartamento, até a sua morte em 6 de Maio de 1992.